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Entrevista João Baptista Vargens - 2ª parte

 

 

(continuação da entrevista)

 

PORTEL@WEB: Queria agora que você dissesse um pouco da Turma do Muro e do grupo “Os Mensageiros do Samba”.

 

JB: Na verdade, muita gente da Turma do Muro era do grupo “Os Mensageiros do Samba”. Existe a estação de trem. Então esse pessoal... Candeia morava do lado esquerdo de quem sobe, do lado da João Vicente. Ele ia para a Portela e depois, antes de ir para casa, continuava batendo papo ali no muro da estação de trem. E esse grupo é que vai fazer samba para a Portela. Eles eram novos ainda: Casquinha, Waldir 59, Candeia, Bubu... Na verdade, naquela época, início dos anos 50, havia dois, três sambas só. Um do grupo do lado direito de Oswaldo Cruz, onde fica a Portela, que era o pessoal do Manacéa. E depois, Candeia. Aí eles ganham. Passam a ganhar a partir de 53, com “As Seis Datas Magnas”. Eu até perguntei ao Manacéa:

 

            João Baptista: Manacéa, como você se sentiu, o garoto lá do outro lado da linha    vem e desbanca você?

            Manacéa: Poxa, eu até gostei, porque assim não tinha mais que quebrar a cabeça.

 

Eram meninos inteligentes. Eles tinham o estigma da Portela. Eu senti que eles     eram portelenses mesmo de sangue. E assim eu fui poupado para fazer samba-enredo falando sobre uma data histórica, o que já era difícil, e eles fizeram seis datas magnas. Entreguei para um melhor do que eu (que era o Candeia) .

 

Aí, você vê! Com toda a simplicidade, ele disse isso.

Então não havia essa disputa. Às vezes, um dos dois grupos retirava o samba. Quando percebia que o do outro era melhor, retirava. Há umas coisas que são boas por um lado e ruins por outro. Essa questão de samba. Essa cobiça de vencer samba-enredo. Porque sempre houve vaidade, né? O sambista queria ver a escola cantando o seu samba. Mas essa cobiça financeira foi por causa de uma atitude interessante do Martinho da Vila. Ele brigou para que os sambistas recebessem o direito de arena. Quem ganhava um samba, dava direitos pelo disco que vendeu. Execução era só do Natal até o Carnaval e acabou – e algumas emissoras, né? Mas agora com o direito de arena, o compositor ganha da televisão, ganha do ingresso... E é uma grana legal. Então... o Martinho não pensou nisso, né? Há “guerras” para ganhar um samba-enredo. Em algumas escolas de samba, fulano já diz: “Vai ganhar esse!”. Martinho mesmo passou por uma assim lá na Vila Isabel: ele chegou e os caras falaram “Canta errado aí, porque o samba é aquele...”. Isso pra intimidá-lo... com arma... A Ruça, ex-mulher dele, tinha coragem e chegou e botou o revólver na mesa assim: “Vai cantar também com o revólver aqui!”. Ela arrumou um revólver lá. “Vou ter revólver contra revólver, pô! Vocês estão querendo intimidar o corpo de jurados”. Isso dentro da escola, onde era o América.

 

PORTEL@WEB: E qual a data de formação do início do grupo “Os Mensageiros do Samba”?

 

JB: Isso você tem no meu livro. De cabeça eu não me lembro, mas deve ser por volta de 65... Por aí!

 

PORTEL@WEB: Durou muito pouco, né?

 

JB: É. Mas fez muito sucesso. Foi assim um dos primeiros grupos de escola de samba. Eles têm um disco muito bom. Foram a programas importantes de televisão na época. Viajaram...

 

PORTEL@WEB: “Os Originais do Samba” ficavam atrás, na coxia, assistindo à apresentação deles. Eles que viriam depois.

 

JB: Os Originais de São Paulo. Era um grupo de São Paulo.

 

PORTEL@WEB: É, porque eles (o grupo “Os Mensageiros do Samba”) viajavam. Como você falou, eles faziam apresentações fora do Rio também.

 

JB: Jorge do Violão, Arlindo “pai”, Casquinha, Bubu, Picolino...

 

PORTEL@WEB: Devido à posição firme do Candeia, diziam que ele era racista. Falavam isso dele...

 

JB: Não era racista, não.

 

PORTEL@WEB: Mas a que você atribui isso? Era essa forma, essa combatividade dele?

 

JB: Bom, naquela época foi mais ou menos quando começou a surgir o movimento Black Power nos EUA. No subúrbio do Rio havia grupos também Black Power. Na época havia soul music. E o Candeia levantava uma bandeira. E esses grupos estavam querendo pegar o Candeia, que era um sujeito que tinha visibilidade na mídia. Eu me lembro até... eu tinha um amigo que era um dos diretores do “Fantástico” – logo no iniciozinho do Fantástico, né? – e esse sujeito era muito ligado ao samba, Macedo Miranda Filho. Inclusive o padrinho de casamento dele foi o Nélson Cavaquinho. Mas ele não gostava do Candeia, não. O pai dele tinha sido preso na época da ditadura e ele não gostava de polícia. Achava o Candeia folgado. Então... ele sabia que o Candeia era capaz de fazer o que ele queria. Então me pediu que fosse o interlocutor da TV Globo e pediu ao Candeia para fazer um samba enaltecendo o samba e criticando o soul. Eu falei com o Candeia e o Candeia fez. O quadro saiu no “Fantástico” e teve uma repercussão danada, de tal forma que uma vez eu estava com o Candeia no Irajá (estávamos indo para Santa Cruz. Às quartas-feiras nós íamos a Santa Cruz comprar carne para a Quilombo no açougue de um moço chamado João do Mato) e quando o sinal parou, na quarta-feira seguinte ao domingo em que foi exibido esse quadro do “Fantástico”, o pessoal da soul music começou a jogar pedra. Foi uma matéria tendenciosa, porque o Macedo queria enaltecer o samba, né? Então ele pegava uma quadra de escola de samba. Entrevistas com pessoas ligadas ao samba. E depois fazia o mesmo com o pessoal da soul music . Só que o pessoal do samba ele escolheu a dedo; o pessoal da soul music ele pegava qualquer um. E o Candeia fez um samba: “Eu não sou africano nem norte-americano, ao som da viola e do pandeiro sou mais o samba brasileiro” (cantou João Baptista) . Tem um verso que ele diz assim: “à juventude de hoje dou meu conselho de vez: quem não sabe o beabá, já quer falar inglês. Aprenda o português”... Na bronca, né? Foi uma gozação que o Candeia fez. Então ele não era racista coisíssima nenhuma, né? Talvez ele fosse nacionalista. Isso pode ser. Mas racista não, porque na Quilombo havia branco, preto, mulato. Pelo contrário! Até esses grupos políticos negros, quando começaram a se aproximar da Quilombo, foram embora rápido, porque eles perceberam que o negócio não era esse. E também começaram a querer ser caciques e o Candeia, a diretoria... “Pô, se a gente cria uma escola pra sair dos caciques da Portela, vem outro cacique agora!”. Eu acho que com a visibilidade de um trabalho, qualquer que seja, aparece uma porção de gente querendo aparecer.

 

PORTEL@WEB: A crítica do Candeia ao soul era essa...

 

JB: Porque era uma cópia, né? Não havia... Eles nem sabiam o que estavam fazendo. Porque o Black Power lá, americano, tem os seus princípios, né? Ele conseguiu coisas. Mas aqui não: é um movimento alienatório. O sujeito está cantando músicas em inglês sem saber o que está cantando.

 

PORTEL@WEB: Você acha que, se o Candeia estivesse vivo, seria a mesma idéia hoje em relação ao funk e ao hip hop, por exemplo?

 

JB: Acho que hoje há uma parte que sabe o que faz. Naquela época era pouca gente. Agora... outra também não sabe. Uma parte desse grupo faz politicamente, mas acho que a maior parte ainda não vai desse jeito não... Ele quer é se distrair! Tá mais perto, ele mora em Rio das Pedras, tá cheio de menininha gostosa... Vai dar bola pra isso? Não existe a conscientização. Pode ser de um grupo pequeno, mas não existe. Agora naquela época era menor ainda esse grupo consciente. E você, dentro do país, você pode exercer qualquer... pode fazer qualquer tipo de política, até mesmo defendendo um grupo étnico, com as coisas nossas. Não precisa importar. Porque, se importa, a coisa já não sai autêntica. É complicado! As realidades são outras.

 

PORTEL@WEB: A Quilombo acabou porque Candeia morreu ou houve outros fatores que levaram a isso?

 

JB: A Quilombo não acabou. A Quilombo existe até hoje. Tá lá em Acari.

 

PORTEL@WEB: Mas qual a sua atuação?

 

JB: Eles têm creche, eles saem no Carnaval, entendeu? Só não têm a repercussão. Quando Candeia morreu, não houve mais...assim... houve até durante um ano ou dois, mas depois houve um esmorecimento, porque o Candeia atraía muita gente conhecida para lá. E depois, as pessoas também tinham outras coisas para fazer. O Candeia não tinha nada, só tinha a Quilombo, né? Tinha a aposentadoria... Nem a aposentadoria, porque ele não se aposentou, mas tinha o salário dele no fim do mês de policial. E os direitos autorais. Já estava gravando os artistas que vendiam discos, shows que ele fazia... Então, era um cara que dormia até meio-dia e depois ia inventar moda (risos).

 

PORTEL@WEB: No dia oito de dezembro de 2005 faz 30 anos de fundação da Quilombo. Teve continuidade? Houve algum período em que a escola parou e, posteriormente, recomeçou?

 

JB: Houve períodos em que houve um esmorecimento. A sede saiu da Rua Curipé, em Coelho Neto. Na verdade ela começou, por pouco tempo, lá em Colégio – o dia oito foi em Colégio – na rua, ali na Estrada do Barro Vermelho (João Baptista mostrou incerteza). Dali foi para a Rua Curipé. Depois, o deputado Jorge Leite arranjou um terreno lá em Acari. Mas tá lá, pô! E a gente sabia também que aquele frisson era um frisson inicial. Não existe nenhuma atividade desse tipo que vá manter-se nas páginas dos jornais a vida toda. Mas você acha a comunidade. Tá lá!

 

PORTEL@WEB: Mas não se criaram lideranças que pudessem...

 

JB: Rapaz, em 78 eu viajei para a Síria. Passei lá um bom tempo. Até a última festa, na casa do Candeia, foi a minha despedida. Quinze dias depois ele morreu e eu recebi a informação lá em Damasco. Algumas pessoas tentaram. Nei Lopes tentou, por ser o líder, membro dos compositores (da ala dos compositores). Mas não tinha a dedicação, como eu disse, né? O Nei, na época, trabalhava numa firma de propaganda. Ele era publicitário e ficava lá de plantão para fazer música para a galinha que ia entrar em promoção num supermercado de Manaus. Era ele e um grupo. Chegava o empresário do mercado com o pedido, ele fazia uma música e uns versos, gravava e a fita ia num primeiro avião para Manaus. Então não dava!

 

PORTEL@WEB: São pessoas que não tinham tempo para dedicação, né?

 

JB: O Candeia, não. Ele passou três anos da vida dele só pensando nisso. E enchia o saco da gente (risos). Ligava duas horas da manhã e ele: “Alô! Vem um cara aí que fala árabe. Ele vai lá na Quilombo e você tem que ir lá receber o cara!” Ele até me jogava às vezes numas furadas. Uma vez ele me ligou:

 

            Candeia: Pô, vai ter um debate lá no Museu de Arte Moderna e eu queria que você          fosse pra dar uma força. Tá cheio de leão lá do outro lado querendo me comer. Vendo você na platéia eu me sinto melhor...

            João Baptista: Poxa, Candeia, eu tenho aula...

 

Eu tinha vinte e poucos anos. Comecei muito jovem na Faculdade de Letras. Eu tinha 22 anos.

 

            João Baptista: Eu tenho aula, Candeia, não vai dar não...

            Candeia: Pô, passa lá!

 

Vinte minutos depois, ele me liga de novo:

 

            Candeia: Pô, João, vai lá, que eu não estou me sentindo bem. Eu não vou, eu nem          vou. Vai lá e avisa que eu não vou.

            João Baptista: Então tá legal. Eu posso ir lá e aviso que você não vai.

 

Na hora que o cicerone chamou o Candeia para a mesa, eu levantei o braço para justificar a ausência do Candeia. Aí o apresentador:

 

            Apresentador: Ah, sim, você é o João Baptista!

            João Baptista: Sou.

            Apresentador: Ele disse que você veio substituí-lo.

 

(risos) Eu não sabia nem do que se tratava o assunto. Ele me jogava nessas coisas. Isso era meio Candeia, né? Aí quando eu saí de lá – puto, né? - liguei pra ele:

 

            João Baptista: Pô, como é que você faz isso, seu sacana?

            Candeia: Eu sabia que você ia se sair bem! (risos)

 

PORTEL@WEB: Lena Frias escreveu no seu livro que o povo ainda deseja o Candeia presente e de volta. De que forma o Candeia ainda vive?

 

JB: Ele vive pelas músicas dele. Quer dizer, eu acho que... Talvez eu até tenha ajudado a mitificar a figura do Candeia escrevendo o livro. Uma vez eu fui à UERJ participar de um debate sobre o Candeia, e eu até mostrei alguns lados negativos do Candeia. E a platéia foi à procura de outra coisa. Os caras ficaram abismados e aborrecidos, porque são admiradores do Candeia. Mas as pessoas são pessoas. Elas têm os seus lados bom e mau, né? E eu acho que se fala tanto dessa liderança do Candeia... Tanto é que a gente está conversando aqui há quase uma hora e só se falou nisso. E nós não falamos do Candeia compositor. Quer dizer: o Candeia, independente dessa liderança, independente da Quilombo e de outras coisas que ele fez, era um grande compositor. Um dos maiores compositores de samba. Então, enquanto as músicas dele forem tocadas - e vão ser, vão varar décadas – ele está aí, tá conhecido. A Quilombo, um ou outro sabe, um estudioso da cultura brasileira, da cultura das escolas de samba, da cultura do Rio de Janeiro. Mas “o mar serenou quando ela pisou na areia...” (cantou João Baptista) todo mundo sabe. Igual Noel Rosa... as histórias que Noel Rosa gostava de beber, não gostava de futebol. Disso sabe quem lê a biografia dele, né? Mas todo mundo sabe “quem é você que não sabe o que diz...” (cantou João Baptista).

 

PORTEL@WEB: Pode até não saber que a música é dele.

 

JB: É! Quer dizer, eu acho que talvez até nesse livro eu pudesse ter enfatizado mais o compositor Candeia. Mas para uma biografia eu tinha que botar as histórias, né? Então, as pessoas quando me perguntam, perguntam mais sobre a vida dele, a ação política dele. Candeia foi um cara que apoiou o Golpe de 64. Isso eu falei lá na UERJ e os caras... Mas ele era um sujeito inteligente. O Candeia é que chamou o Carlinhos Maracanã. Ele, o Mazinho... Agora, ele percebeu depois que não tinha sido uma boa indicação. Isso é normal, né? A gente erra e tem que reconhecer que não era aquilo. Agora eu acho que, antes de tudo, o Candeia tem que ser visto como um grande compositor de samba em termos de letra, de melodia. É um sujeito que tem uma melodia que a gente conhece. A gente reconhece aquela melodia do Candeia, que ninguém faz igual. Umas coisas inesperadas, né? A linha melódica... Eu não sou músico, não entendo de música; então, por isso, provavelmente não use um adjetivo apropriado. Mas o Candeia se caracteriza por um traço melódico inesperado depois do outro. A música vem pra cá? Não, ela desce. Você pensa que ela vai subir, mas ela desce. Isso é Candeia, né? Talvez quem mais se aproxime dele seja o Wilson Moreira. Ele tem também uma linha melódica bastante rica.

 

Entrevista concedida a Vanderson Lopes e  Rogério Rodrigues na Faculdade de Letras da UFRJ.

 

 


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