Rio de Janeiro, 30 de janeiro de 1949. Um sábado comum, a poucos dias do carnaval. Pela manhã, Paulo teria finalmente concordado em voltar para a Portela, após 8 anos de afastamento. A declaração, informalmente feita para o jovem amigo Alvaiade na estação de trem, traria novamente alegria para todos
Paulo seguia, apressado como sempre, para Jacarepaguá. Na volta, desceria na estação de Bento Ribeiro, uma após Oswaldo Cruz, onde habitualmente saltava. Andou até a Rua Tácito de Esmeris, onde ficava a pequena escola Paz e Amor. Lá, encontrou vários amigos, e depois de um tempo atravessava a linha do trem para chegar à Lira do Amor, escola da qual fez parte nos últimos anos.
Mais tarde, faria uma apresentação em um circo. Ali, pertinho, na esquina das ruas Carolina Machado e Frei Bento. Próximo à Estrada do Portela, pára num bar e, esquecendo-se dos conselhos do médico, começa a beber. Seu compadre Cláudio Bernardo percebe que o amigo não estava bem e chama sua atenção para o excesso.
No circo, Paulo é aclamado e se emociona; foi o último reconhecimento que o mestre receberia ainda
O enterro de Paulo foi, talvez, o momento mais marcante da história do subúrbio de Oswaldo Cruz. Quinze mil pessoas acompanharam o cortejo fúnebre, que seguiu de sua pequena casa, na Rua Carolina Machado, até o cemitério de Irajá, atravessando todo o bairro de Madureira.
Sua esposa, Maria Elisa, não permitiu que Natal cobrisse o caixão com a bandeira da Portela. Dizia que "se ele não voltou em vida, também não voltará depois de morto". Infelizmente, a promessa feita ao jovem Alvaiade não pôde ser cumprida. Paulo jamais voltaria a ser da Portela.
Esse relato, segundo o que está escrito no livro "Paulo da Portela - traço de união entre duas culturas", de Marília Barboza e Lígia Santos, mostra os últimos momentos do homem Paulo da Portela. A partir daí, entrava em cena o mito, o exemplo a ser seguido.
Os homens morrem, mas suas obras são eternas, permanecem para sempre imortalizando ideais e sonhos. E nós, cem anos depois, contemplamos seus ensinamentos, escrevendo nossas histórias com a fé em seus conselhos.
Príncipe Paulo, elegantemente vestido. "Pés e pescoço ocupados". Buscamos assim a valorização da raça negra. Sonhamos com uma revolução pacífica, uma conscientização de toda a sociedade, respeitando, finalmente, a diversidade de uma população de formação especial.
Buscamos o reconhecimento de que o Rio se estende para além das fronteiras da mídia. O Rio também é Oswaldo Cruz, também é Madureira. O Rio também é quente e de ruas empoeiradas. Aprendemos que é preciso superar os preconceitos, estereótipos discriminatórios que precisam ser vencidos. O subúrbio também canta, também dança. E a riqueza da produção cultural do subúrbio responde por uma nome reconhecido internacionalmente: Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela.
A Portela, maior obra de Paulo, prova concreta do que o subúrbio é capaz, foi o legado maior deixado pelo professor. Se os ensinamentos de Paulo orientam nossos caminhos, a Portela é a personificação de seus sonhos. Sonhos pintados nas cores azul e branca, batendo asas na forma de uma Águia, embalados na perfeita harmonia entre a inconfundível cadência de uma bateria e as belas letras de uma produção musical peculiar.
Portela que une passado e presente. Na magia do amor que desperta, estende um facho de luz para a eternidade, unindo nossos sonhos aos de Paulo, tornando viva sua presença ao nosso lado. Somos todos iguais diante da sombra de suas asas, sentimento que atravessa o tempo e as gerações.
E lá estará Paulo, onipresente mais uma vez no carnaval. Estará na lágrima da baiana, no orgulho do passista ou na emoção do ritmista, não importa. As mesmas lágrimas dos olhos de Paulo já rolaram, o mesmo orgulho e a mesma emoção já foram por ele sentidos.
Cem anos depois, a Portela, enfim, é a interseção que nos une.
Obrigado, Paulo Benjamim de Oliveira.
SILVA, Marília T. Barboza & SANTOS, Lygia. "Paulo da Portela - traço de união entre duas culturas". Rio de Janeiro, Funarte, 1979.
Outras referências bibliográficas utilizadas:
CABRAL, Sérgio. "As escolas de samba do Rio de Janeiro". Rio de Janeiro, Ed. Lumiar, 1996.
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GERSON, Brasil. "História das ruas do Rio". Editora livraria brasiliana, Rio de Janeiro, 1965.
JÓRIO, Amaury & ARAÚJO, Hiran. "Escolas de samba em desfile - vida, paixão e sorte. Rio de Janeiro", Poligráfica ed., 1969.
MUNANGA, Kabengele. "Rediscutindo a mestiçagem no Brasil - identidade nacional versus identidade negra. Petrópolis, Vozes, 1999.
PAVÃO, Fábio "Euforia e Pessimismo - estudo sobre as transformações das relações raciais através do futebol". Rio de Janeiro, Mimeo - UERJ, 2001.
PAVÃO, Fábio & PELLEGRINI, Lucimar . " O samba e a vida brasileira". Trabalho apresentado no IX congresso da Aladaa. Rio de Janeiro, Mimeo, 2000.
SANTOS, Joel Rufino dos. "O que é racismo?". São Paulo, Editora Brasiliense, 1984.
SARTRE, Jean Paul. "Reflexões sobre o racismo". Rio de Janeiro, Difel, 1978.
SEYFERTH, Giralda. "A invenção da raça e o poder discricionário dos estereótipos". In: Anuário Antropológico/93. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1995.
VARGENS, joão Baptista M & MONTE, Carlos. "A Velha-Guarda da Portela", Rio de Janeiro, Manati, 2001.
VIANNA, Hermano. "O mistério do samba". Rio de Janeiro, Zahar, 1995.
Ilustrações utilizadas:
1ª parte: Imagem extraída do Livro "Paulo da Portela - traço de união entre duas culturas".
2ª parte: Imagem extraída do Livro " Escola de samba - árvore que esqueceu a raiz".
3ª parte: Imagem de Paulo da Portela trabalhada com efeito de Nanquim
4ª parte: Busto de Paulo da Portela - Arquivo Portelaweb.
5ª parte: Imagem extraída do Livro "Paulo da Portela - traço de união entre duas culturas".
6ª parte: Missa em homenagem ao centenário de Paulo da Portela - Arquivo Portelaweb.
7ª parte: Busto de Paulo enfeitado no dia do centenário.
8ª parte: Praça Praça Paulo da Portela - Arquivo Portelaweb.
9ª parte: Imagem de Paulo da Portela trabalhada com efeito de Óleo.
10ª parte: Foto do Pagode de trem - 02/12/1999.
Autor: Fábio Oliveira Pavão.