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1ª parte: Inspiração Eterna

 

O ano é 1901, início do século XX. Recém-libertada das correntes da escravidão, a população negra, excluída da nova ordem econômica que então se iniciou, definhava pelos guetos e vielas, esquecida pelas autoridades competentes do antigo distrito federal.

 

Legados à própria sorte, suas vidas padeciam diante da falta de higiene à qual eram submetidos. Suas crianças eram dizimadas pela alta taxa de mortalidade infantil, tornando o crescimento dessa parcela esquecida da população praticamente nulo, para a explícita alegria da elite dominante.

 

Em meio às transformações que o novo século estava trazendo em seu início, parte do Rio de Janeiro curtia as novidades que chegavam da Europa. A outra parte da população, entretanto, estava muito distante das maravilhas que o novo século anunciava. Viviam ainda presos. Não mais nas senzalas, é verdade, mas nos barracos em que conseguiam sobreviver. Se não usavam mordaças, seus gritos eram calados pela indiferença. Se não mais sentiam a dor do chibata, apanhavam do preconceito que os desacreditavam.

 

A população negra sabia que ainda estava muito distante do século XX, mas não podia imaginar que paradoxalmente também estava tão próxima. Vivia ainda presa ao passado, sofrendo como nos tumbeiros que cruzavam os mares, mas por outro lado preconizava o que seria uma das marcas de todo o século recém-iniciado: as desigualdades sociais.

 

Na região da Saúde, próxima ao centro do Rio, os negros formavam a chamada "pequena África do Rio de Janeiro". Se sobreviver era um desafio, preservar as tradições herdadas era questão de honra. E os negros venceram o desafio pela vida. A religiosidade e a cultura africana, apesar da perseguição, mantiveram-se como símbolos da resistência e da vitória.

 

Iluminado foi o dia 18 de junho, dia em que um menino negro vingou. O menino chamava-se Paulo, e apenas isso era suficiente para comemorar. Com certeza ninguém imaginou que o pequeno Paulo, chegado na virada do século, pudesse ir muito além do que simplesmente vencer a difícil batalha pela vida.

 

Filho de Joana Baptista da Conceição e Mário Benjamim de Oliveira, Paulo Benjamim de Oliveira foi uma daquelas pessoas que já nascem predestinadas. O menino Paulo cresceu e brilhou intensamente. Como se estivesse cumprindo uma missão, difundiu a cultura negra, propagou o samba por onde passou, lutou pela dignidade de seu povo e foi um dos maiores responsáveis pelo surgimento e pelo crescimento das escolas de samba.

 

Elegantemente vestido, Paulo impunha respeito. Foi compositor, compôs o primeiro samba-enredo de que se tem notícia, participou de filmes, representou a música brasileira no exterior, foi cidadão-samba, marcou sua posição política, recebeu de igual para igual professores, embaixadores, ministros e empresários estrangeiros, fez uso do microfone das rádios para lutar contra os estigmas que marcavam os negros e os sambistas. Poucos se atreviam ou podiam fazer isso, mas Paulo era diferente - ele era especial.

 

E Paulo cumpriu como ninguém sua missão em nosso planeta. Sua maior obra foi a nossa Portela. Paulo plantou nossa semente, foi nosso primeiro presidente, compôs nosso primeiro samba, incentivou os mais jovens e nos fez conhecer o prazer das primeiras vitórias. Nossa primeira sede foi justamente em sua casa, e graças à sua liderança conseguimos andar sozinhos e trilhar nosso vitorioso caminho.

Paulo da Portela, como ficou eternizado na memória de todos os sambistas, foi também um grande defensor de Oswaldo Cruz e do subúrbio. A fama que alcançou nunca o fez esquecer do bairro em que chegou ainda jovem e viveu até seus últimos dias, deixando seu amor por essa parte da cidade esquecida por muitos em algumas músicas eternas.

 

Paulo, Portela e Oswaldo Cruz são três partes de um todo. É impossível compreender um sem entender os outros dois. É difícil explicar, é mais fácil ir até Oswaldo Cruz, sentir e ouvir. Sentir a presença de Paulo e ouvir o som que ecoa da Portela, apenas assim compreendemos que Paulo, Portela e Oswaldo Cruz são na verdade a mesma coisa.

 

Como toda estrela que brilha mais intensamente é a primeira que se apaga, Paulo nos deixou em 31 de janeiro de 1949. Mas o professor ainda permanece vivo na Portela, sua presença ainda é sentida em Oswaldo Cruz, um ideal que se renova através das gerações.

 

O ano agora é 2001, início do século XXI. Cem anos após o nascimento do menino Paulo, sua presença se faz sentir ainda mais forte, em iniciativas que resgatam suas atividades artísticas e sociais. Durante o ano, a Portel@web estará realizando uma pequena homenagem ao nosso querido professor, lembrando todos os meses vários fatos que marcaram a vida de nosso mestre, resgatando para as novas gerações de portelenses quem foi Paulo da Portela, um exemplo que nunca pode ser esquecido.

 

 


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