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3ª parte: Berço do Samba e Batismo da Portela

 

Nesta 3ª parte que disponibilizamos, Candeia e Paulinho da Viola discutem a importância da memória, falam de como surgiu o livro Escola de Samba: árvore que esqueceu a raiz, esclarecem aspectos sobre a polêmica em torno de qual foi o berço do samba (teria sido mesmo o Estácio o pioneiro?) e revelam um fato pouco conhecido: quem batizou a Portela, a quem foi consagrada e a importância cultural desse batismo.

 

 

O BATE-PAPO

 

         O papo foi na casa de Candeia, pras bandas de Jacarepaguá.  Muita cerveja e uma madrugada toda em claro.  Presentes Paulinho, Carlos Elias e um gravador num canto da sala, esquecido, mas ligado, registrando fielmente o que foi dito.  Participando da conversa, o jornalista do Rio Ruy Fabiano e João Bosco Rabello do Correio Braziliense, este último com exclusividade sobre o material.  No fim, um saldo positivo: algo que vira um importante documento do samba.

 

Paulinho da Viola – Eu acho que as pessoas estão pegando aspectos isolados.  O negócio não é esse.  Nós temos de pegar aquilo que aconteceu.  Primeiro nós temos de fazer um levantamento da história do samba.  O que ele significou, como ele surgiu, porque/em que condições/quem eram as pessoas que faziam isso no começo, em que condições elas faziam, o que eles diziam, o que eles comiam, o que eles pensavam, porque eles tomavam cacete.

 

Candeia – Isso que você ta falando aí é o que eu considero cultura própria do sambista, que é onde se choca com “esses caras” que não têm vivência, esse conhecimento.  Isso exatamente, em termos objetivos; a comida, a vestimenta, o linguajar, tudo isso faz parte dessa cultura.

 

PV – Mas por que acontecia isso?  Que processo é esse que fez com que a escola viesse se mantendo num determinado nível, com seus valores próprios, na época considerados...

 

C – válidos?

 

PV – Não, não.  Considerados coisas de marginais.  A linguagem do samba, tudo o que significa essa coisa chamada samba, o cara como se veste, como ele anda, como ele come, o que ele fala, como ele dorme, as palavras que ele diz, a maneira como ele diz, o vocabulário, tudo dele, entende, né?  Isso aí são marginais.  Isso aí são seres marginalizados, é gente que vive... são semianalfabetos...

 

C – Andar com o violão antigamente embaixo do braço era coisa de marginal.  Com o pandeiro então... entrava no cacete.

 

PV – Se você não consegue situar isso dentro da história do povo da gente, dentro da cultura brasileira, dentro da história do povo carioca, da cultura carioca,  o que é isso, como é que esses caras começaram, que relação é essa que eles começaram a ter com o chamado Poder, que força eles tinham para se impor, a ponto de dizer: “Ah, já que nós não podemos acabar com esse negócio que ta aí, a gente faz o quê?”  Vamos institucionalizar isso.  Criando o quê?  Criando desfile oficial.  Agora, tem o seguinte...

 

C – Prestação de Serviços.

 

PV – Se não contar essas coisas todas, que o nome da Portela foi uma coisa imposta por um delegado de polícia, que não era esse nome, se não contar esse negócio todo, se não contar a história das escolas de samba... com detalhes, não adianta.

 

C – Eu sou contra.  Eu sou contra.

 

PV – Você é contra, Candeia, mas não adianta nada.  Porque realmente aquilo que já foi dito, há dez, quinze anos atrás, sabe como é que é...?  Em nenhum jornal é possível fazer isso.  Você vai ter que dar um quadro, um panorama atual das escolas de samba, atacar aquilo que tem que ser atacado, aquilo que tá mais em evidência, mais claro, denunciar aquilo que tá mais, sabe... isso que o Bosco tá dizendo, você chega numa escola de samba hoje, nego tá cantando.  “Ô jardineira, porque estás tão triste”; samba de rádio; “tudo está no seu lugar”, e os sambas de rua não estão sendo cantados...

 

Carlos Elias – Nada está no seu lugar, essa é a verdade.

 

PV – É, os sambas enredos são escolhidos arbitrariamente, não existe democracia nas escolas, quer dizer, o povo da escola não vota, isso é que tem que ser denunciado, entende?   Não existe um Conselho Fiscal que seja representativo de escola, essas coisas todas têm que ser denunciadas.

 

C – o sambista não tem participação ativa no samba...

 

PV – Participação ativa no samba.  Uma escola hoje é uma coisa abstrata, quer dizer, quando uma escola deveria apesar de, aquele negócio que a gente falou na entrevista , apesar de: compromissos com turismo, e coisa e tal, apesar de ser uma coisa já infiltrada e tudo, deveria, (deve) prevalecer dentro da escola valores que são fundamentais à manutenção do samba, quer dizer: uma escola de samba o que é?  Implica inclusive no seu patrimônio, na sua história, no seu patrimônio cultural, quer dizer, o que é o que é?  Todos os seus elementos antigos, toda a história daquilo ali, o acervo, a maneira como se dançava, os sambas tradicionais, escola de samba.

 

C – Exato.  Pra lhe fazer lembrar, que aí eu sou obrigado a citar...

 

PV – Se não disser isso tudo, não adianta, eu já tô falando há uns quinze anos, tô cansado.

 

C – Pra me lembrar e pra manter sempre acesas todas essas formações...

 

PV – Eu não consigo mais falar...

 

C – Pra tentar mostrar é que a criação da Quilombo tá aí.  Pra tentar mostrar o que era o jongo, a capoeira, o samba de roda, o samba de caboclo, uma série de manifestações que praticamente estão em extinção, tá igual à fauna, que o homem chegou lá e depredou.  Então, pra manter esse tipo de coisa, é necessário que haja uma lembrança viva, porque sem as coisas tradicionais, a coisa se perde realmente.  Porque nossos filhos vão perguntar dentro de pouco tempo, nossos netos, talvez, sei lá, o que foi o sambista.

 

Ruy Fabiano – Memória, né?

 

PV – Memória, muito simples.  Então, naquilo que hoje é considerado folclórico, tudo bem...

 

 

“Existe um complô armado para apagar a história do país.  Pra mentir, para inventar e, toda vez que você tenta trazer à tona a verdade, vem nego e afunda”. (Paulinho da Viola)

 

 

C – Mas aí há outro detalhe...

 

PV - ...mas que seja, entendeu, colocando, em nível, mesmo do seu povo conhecer sua história.

 

C – Mas nós no Brasil, nós no Brasil...

 

PV – Isso já justifica o Quilombo.

 

C – Mas nós no Brasil, nós temos um outro detalhe, Paulinho, que nós consideramos as coisas relacionadas com a nossa cultura, até, por exemplo, na música popular, consideramos subdesenvolvidos, por exemplo, o baião, o xaxado, o carimbo, essas coisas assim, são consideradas músicas inferiores, classe C, compreende?

 

PV – Exato, mas...

 

C – Não, não é assim pra mim, pra você, mas então, essa tendência que nós temos...

 

PV – Tinhorão cansou de denunciar isso, hein?

 

F – É a mentalidade subdesenvolvida, né?  A reverência às coisas que vêm de fora.

 

C – Exatamente.  É uma tendência que faz com que...

 

PV – Agora, temos que denunciar as razões dessa tendência.  Uma das coisas que parece evidente, meu Deus do Céu, é que parece que tem uma coisa armada, um complô armado, sempre houve nesse país, um complô para...

 

C – Guerra Fria?

 

PV – Não, não.  Para apagar a história do país, rapaz.  Pra apagar, pra mentir, pra contar história diferente, pra inventar coisas que não existem e toda vez que você tenta trazer à tona a verdade, vem nego e afunda.

 

RF – Pra reintegrar o papo: você estava falando de um livro, que livro é esse?

 

C – Bem, o livro é o seguinte, contém fatos... (refere-se ao livro “Escolas de Samba: árvore que esqueceu a raiz, de Candeia e Isnard Araújo, publicado pela Editora Lidador e pela Secretaria de Estado de Educação e Cultura do Rio de Janeiro, em 1978).

 

RF – Quem escreveu o livro?

 

C – O Isnard, Ivan (?) ficou mais ligado em colher depoimentos (Isnard Araújo, criador do projeto do Museu Histórico Portelense).  Esse livro tem até uma historinha.  Quem ia escrever esse livro era eu e o Paulinho.  Mas, falta de tempo, não conseguíamos nos encontrar, e eu me liguei no Isnard pelo fato de ele ter assumido lá, e eu ter sugerido a ele fazer um levantamento do Museu da Portela.  Então, aproveitando o depoimento do pessoal da Velha Guarda da Portela, sempre senti necessidade de registrar esses fatos.

 

RF – É a história da Portela?

 

C – É.

 

RF – Mas é uma abordagem sociológica?

 

C – Aí é que vêm os detalhes.  O livro, a princípio, era apenas um levantamento histórico da Portela.

 

RF – Memória da Portela.

 

C – É, memórias da Portela, mas a coisa se tornou tão profunda, o entusiasmo da gente foi tão grande, que  não começamos a expandir todos os fatos com relação ao samba, basicamente a história da Portela.  Mas não está preso unicamente à Portela, entendeu?

 

RF – Partindo da Portela, abordagens mais amplas, né?

 

C – Perfeitamente.  Agora, com fatos, inclusive procurando evitar isso que o Paulinho falou aí: ser mais um livro estatístico, nesse aspecto, não.  Pelo menos, eu estou contando aquilo que eu sinto, dando minha opinião, dando meu depoimento com relação a coisa que assisti, daquilo que eu vivi na minha vida de samba.

 

RF – Visto de dentro, então!

 

C – Perfeitamente.  Sem pretensão literária, que nós não temos nem condições, apenas fazendo um trabalho que via servir, com toda a humildade, como um documento.

 

RF – Esse livro já tá pronto?

 

C – Já.

 

RF – Vão lançá-lo quando?

 

D – Deve ser lançado no final deste mês.

 

RF – Legal.

 

C – Sim.  E vai por aí afora.  Ele é um pouco crítico, mas também contém fatos relativos à Portela, tem muita coisa interessante.  Muita gente não sabe, por exemplo, que o próprio Estácio mesmo, o próprio Ismael Silva participava do que ele chamava: “Vou na Roça”.  Roça era Oswaldo Cruz, apenas o Estácio teve o privilégio de ter sido oficialmente registrado primeiro, mas o movimento de sambistas, é da mesma época.

 

RF – O Estácio era mais centralizado.

 

C – É, mais centralizado...

 

PV – Mas o pessoal antigo, ó Candeia...

 

C – Não, não tiramos o mérito de...

 

PV – O pessoal antigo sempre falou que quem trouxe o samba foi o pessoal do Estácio.

 

C – Perfeito, eles participavam com o Paulo da Portela, inclusive com o caso do seu Napoleão, que era jongueiro, era negócio de jongo, cruzado na linha das almas, tinha que pedir licença na hora da entrada.  Tinha uma irmã do falecido Natal, que ia com o seu Napoleão, que morava ali pra baixo (Dona Benedita morava na rua Maia Lacerda, no Estácio), que freqüentava a casa das baianas (Tia Ciata,, Bebiana e outras) ali na Praça Onze, e tal, aquele negócio todo.

 

PV – Olha, isso não vem ao caso, mas a Portela é cruzada na linha das almas.  Descobri isso por acaso.

 

C – Cruzada na linha das almas não, a Portela tem como madrinha, é batizada por uma yalorixá africana.  É a única Escola de Samba que foi batizada por uma yalorixá africana, Dona Neném, entendeu?

 

PV – Esse aspecto de escola de samba é uma coisa que nunca foi falado.  Esse aspecto que é um outro lado do negócio, isto é, não sai numa matéria, isso dá muito trabalho, tem que estudar...

 

C – Ah, mas também não vou vender meu peixe todo pra vocês, senão vocês vão publicar antes do meu livro, vão esvaziar meu conteúdo (risada).  Então, vocês compram o livro e depois copiam aí.  Foi um trabalho de pesquisa muito grande, rapaz, não foi mole fazer não.  Tive de levantar muita gente aí.  Seu Caetano.  Olha, queres ver uma polêmica?  Já começa por aí.  Nós não tiramos seu mérito, não ferimos todo o lado positivo de contribuição que ele deu à Portela, mas abordamos o assunto com clareza, de uma tal maneira, porque são testemunhos de pessoas que ainda estão vivas e que negam que Natal foi esse mito, pelo menos que dizem que foi.  O fundador, isto e aquilo...

 

PV – Não foi bem isso.  Mas não foi mesmo...

 


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