Nesta 4ª parte, Candeia e Paulinho da Viola comentam a exploração da figura de Natal em detrimento do que denominam a “minoria autêntica” da Portela. E mais: sobre o montante que se gasta em disputas de samba, a Bienal do Samba de 1969, eleições, prestação de contas...
PV – Atualmente, eles estão explorando o nome, a figura do falecido Natal para tudo, entendeu como é que é o negócio? Fizeram do Natal uma espécie de bandeira e tão explorando esse mito até hoje. Tem coisas realmente inexplicáveis. Mas isso a gente não vai dizer, porque nós não tamos aí pra denegrir a imagem de um homem já falecido e que o saldo dele foi positivo. Ninguém tira o mérito dele não. O saldo dele é realmente muito positivo em termos de samba, mas também não é o que exploram por aí, que falam, não chega a ser mesmo. Acima dele existem pessoas, vamos dizer, em relação à Portela, que foram muito mais importantes para a Portela e que não tiveram a notoriedade que alcançou o Natal. Como o Caetano, como o Rufino, o Paulo da Portela.
RF – Ele era uma figura especial, independente de tudo.
PV – Bem, mas o que tem a ser dito para os sambistas...
C – Coisas diretas...
PV – Sambistas: vocês precisam tomar consciência com relação ao que está acontecendo, porque o que está acontecendo é o seguinte, todo sambista tem que tomar conhecimento do que está acontecendo, todo sambista, quer dizer, todos aqueles caras que têm realmente um vínculo, ligados à escola, tudo aquilo que tem sido feito até hoje com relação às escolas é um negócio que precisa ser esclarecido, precisa ser discutido, como estamos discutindo aqui. É que parece que existe um complô, a impressão que se tem é que tudo que existe nos ambientes todos de escola de samba, é sempre no sentido de apagar uma memória, rapaz, apagar no sentido assim de dizer: “O passado foi uma coisa que morreu”.
C – Eu sei. Deixa eu fazer uma referência, Paulinho. Por que você não fala da minoria dos autênticos? Quer dizer, a minoria dos autênticos é o tipo de...
RF – Isso tem outro motivo, né, quer dizer...
Carlos Elias – Tradição já era!
C – É a frase deles. Agora, uma coisa que você é culpado. Paulinho, eu queria que você conversasse com o Isnard: o Hiram tá explorando aquela entrevista que você deu naquela ocasião (73), até hoje...
PV – Não está.
C – Não está?
PV – Não tá. Eu li o que ele falou a meu respeito. Que em 68 eu...
C – Não, você não ta me entendendo, ele não está explorando porque ele declarou isso. Ele apenas cita isso, ele diz: “eu to falando como tradicionalista e tal...”
PV – Posso falar que o Hiram... aquilo ali, rapaz, eu voltei a falar nessa entrevista, não adianta ele explorar, porque eu voltei a falar o seguinte: apesar do compromisso existente hoje, das escolas com o turismo, com não sei o quê, porque nós não podemos realmente imaginar uma comunidade fechada, isolada, não sei de quê, “patati patatá”, tudo isso que já falamos há cinqüenta anos, o samba, mantém, é necessário para ser samba, manter certos valores fundamentais dele, senão desvirtua tudo, então isso ficou muito claro, quer dizer, não tem, não pode explorar nada. Eu não quis justificar a situação atual, pelo contrário, eu disse que apesar dessa loucura toda, é necessário ter certos valores que façam com que aquilo tenha um peso realmente verdadeiro e não essa coisa falsa, rala, artificial, que já é a substituição desses valores, sabe como é que é, posso enumerar aqui, pô!
RF – Padroniza algumas coisas...
PV – Claro.
C- Certo, Paulinho. Agora, uma coisa que era muito importante, não parece nada, mas que tem que ser dito alto e bom som, é de que, eu sei que é teu pensamento também, falo por você, no caso, de que toda a nossa luta, todo nosso trabalho, pra não ser confundido, nós não temos nenhum interesse político, não pretendemos ser diretor da Portela, nós falamos como sambistas, pelo que vivemos, certo? Quer dizer, por trás de nossa posição, não existe nada a ser escondido. Não tenho pretensão, não quero ser diretor, não quero ser tesoureiro, não quero honraria, não quero receber nada assim pra mim. Com toda sinceridade, mal comparando, não vou dar uma de Pelé, cruzar os braços e dizer que ta tudo bom, uma democracia bonita, e tal, igualdade, tudo jóia, certo? Dar uma de Pelé e deixar o barco pegar fogo. Então, nosso trabalho, é claro, não estamos lutando em honra própria, mas e até por aqueles que não têm condições de falar, eu às vezes até chamava a atenção do Paulinho e dizia: “Olha, Paulinho, você tem, quer queira, quer não, uma posição de liderança perante esse pessoal, eles esperam que você... tem que chegar e falar, porque a gente tem realmente que falar. Agora, pra mim, é até uma satisfação que você Paulinho esteja mais entusiasmado que eu. Eu que já to me sentindo um pouco desgastado cansado de estar brigando aí, e você vem essa: “Não, nós temos que falar, temos que... sei lá”. Eu confesso a você que até me surpreendeu essa tua atitude agora, viu, malandro?
PV – É isso que... não, rapaz, peraí...
C – Não, não que eu esteja negando as coisas que você faz não, você não modificou nada, não, mas é uma posição realmente assim, mais, assim...
PV – Mais ativa, mais ativa...
C – Mais ativa, é isso, vamos dizer assim. Não é que você fosse um omisso diante da situação não, mas é que realmente...
CE – Chegou uma hora que a coisa... a gente fica naquela de achar que vai melhorar...
C – Ah, exato, exato, positivo. Eu esperava que chegasse ao ponto que chegou. Você nunca esperava talvez, Paulinho saber que...
PV – Não to fazendo defesa de coisa nenhuma. To querendo dizer o seguinte: é só pegar as entrevistas que eu já entreguei na mão de vocês, que nós fizemos naquele quadrado, eu, você, Elton e Martinho.
C – Perfeito, perfeito.
PV - e a que eu dei pro Torquato, pó, cansei, e ainda deve ter mais lá em casa, em...
C – Mas hoje você fala com um tom de objetividade que talvez não falasse com tanta clareza.
PV – Ó, eu já assumi coisas assim, por exemplo, a revista Homem queria que eu fizesse uma matéria sobre... é aquele negócio que a gente não sabe. Eu, rapaz, não to a fim mais de fazer coisas, entende, como a gente vem fazendo até hoje, Candeia, de dar entrevistas como Quixotes, sabe como é que é? Sabe, querendo... não tem sentido. O que nós temos que fazer hoje é realmente armar um time contra isso que ta aí, mas um time assim, quer dizer, o Quilombo ta lá, ele vai sair, ele vai fazer... Não tem que colocar o Quilombo contra nada, sabe. Com a antítese não sei de quê, nada disso. Nós temos que colocar o Quilombo como uma coisa a ser construída, como uma alternativa, mas não precisa colocar como antítese. Outra coisa: o que nós temos que fazer é chamar na responsabilidade uma porção de gente que vive falando de escola de samba há uma porrada de tempo... ô desculpe! Não sabia que tinha mais gente aí...
C – Não, não tem nada não, isso é até o palavrão mais bonito que se diz por aqui.
PV – Sabe o que é? É que a gente fica sem querer assumir uma posição mesmo de luta, de todo mundo na luta. Não adianta mais um jornalista escrever um negocinho, não adianta. Tem que fechar todo mundo numa coisa só, discutir o assunto profundamente, como já foi feito há muitos anos atrás, negócio de seminário de samba, simpósio que teve em 69, que nós temos tudo isso lá registrado e tudo, e fazer outro, num outro nível, quer dizer, aquilo de 69 foi feito só pra “acoxambrar tudo”, acomodar, tinham as teses, e tudo ficou lá. O que tem de ser feito hoje é negócio pra sair um documento definitivo sobre escola de samba. Mas uma coisa definitiva, assim, levantamento de tudo, histórico, chamar todo mundo que teve realmente, palavra e peso dentro dessa história toda, trazer o depoimento dessa gente, fazer, se possível, até um livro, que uma coisa dessas...
C – Com essa profundidade toda, só um livro.
PV – Eu acho que não precisa ser exatamente um livro. Pode ser numa linguagem jornalística, mas pode ser um documento muito importante, porque aí, esgota isso, sabe como é que é, senão a gente vai passar a vida inteira naquele negócio que eu te falei: todo ano antes do carnaval tem um cara perguntando: “O que você está achando, como era antigamente? Hoje tem muita pluma, botaram não sei o quê.” Muitas entrevistas que nós demos já se perderam, muita coisa já se perdeu, que não é de hoje isso, é desde aquele tempo, pó, entende? Sei lá. Então, isso aí eu acho que tem que ser denunciado sempre, mas não nesse nível em que as coisas ficam abstratas, sobe? Olha, o crioulo de escola de samba ficou por baixo, o sambista não sei de quê, o sambeiro não sei de onde, a classe média... não, nada disso. Isso aí já era. O que tem de ser colocado é isso: fazer um levantamento mesmo, sério, das escolas de samba. O seu comportamento atual, das suas relações internas, de como se vota numa escola, em que situação está o povo, realmente, da escola, se está votando ou não, quem decide, como é que se decide, como é escolhido o samba-enredo, sabe como é que é? Que interesses tem por trás disso, quanto se fatura, onde vai esse dinheiro, essas coisas todas, pô!