Os portelenses começam o novo ano carnavalesco trazendo ainda na memória a brilhante reapresentação do enredo "Lendas e Mistérios da Amazônia". Um ano que se anunciava de grandes mudanças para a escola: alguns meios de comunicação passaram a noticiar a saída do bicheiro Carlinhos Maracanã da Portela, depois de muitos anos como presidente. Havia muita especulação, falava-se em renúncia, em acordo feito na LIESA. O fato é que, após mais de trinta anos, o carnaval de 2004 parecia ter sido o último em que Carlinhos Maracanã comandara a Portela. Sua saída da escola há muito tempo era desejada pela maioria dos portelenses, que viam nele e em sua diretoria os culpados pelos sucessivos fracassos da escola nas últimas décadas.
Bem antes do carnaval de 2004, em meados do ano de 2003, um grupo de descontentes com a administração da escola havia invadido o Portelão, exigindo a renúncia do presidente. O fato foi noticiado por toda a imprensa carioca, mostrando o desgaste que essa administração vinha enfrentando. Em se tratando de Portela, era a primeira vez que um grupo, de forma mais concreta, batia de frente com o poder constituído da escola e desafiava o poder do jogo do bicho. A ocupação durou apenas 24 horas, pois a diretoria conseguira na justiça a reintegração de posse. A partir de então, muitas dúvidas sobre o desenrolar desse acontecimento ficaram no ar.
O começo do ano de 2004 também foi marcado por outros acontecimentos importantes. No dia 17 de março, o vice-presidende da escola, Paulo Miranda, recebia a medalha Pedro Ernesto na Assembléia Legislativa. Ainda nesse mês, mais uma componente da nossa Velha Guarda registrava sua músicas em CD - era a Tia Surica, que gravou seu primeiro CD que levava no título seu próprio nome. No dia 12 de abril, era publicado o decreto de tombamento da antiga sede da escola, conhecida como "Portelinha".
Com o passar do tempo, a especulação se tornou realidade e Carlinhos Maracanã de fato iria se afastar do cargo de presidente. Para ocupar o seu lugar, lançava para concorrer à presidência da escola o jovem Marcos Aurélio Fernandes, seu assessor, que no último carnaval havia ocupado com muita competência a função de diretor de carnaval. Muito do sucesso obtido pela Portela no carnaval de 2004 foi fruto do seu trabalho. Marcada a eleição e estipulado o prazo para inscrição das chapas, Marquinhos, com apenas 29 anos, foi o único a ter o registro de candidato. O fato de a eleição ser disputada dentro do mesmo sistema das anteriores não animou os opositores, comandados por Nilo Figueiredo, a inscreverem suas chapas, pois já era dada como certa a vitória do candidato da situação. A oposição alegava também a existência de um acordo feito com Carlinhos Maracanã, pelo qual a presidência seria repassada para o Sr. Nilo Figueiredo. Assim, no dia 16 de abril, a chapa única comandada por Marcos Aurélio Fernandes foi vitoriosa no pleito, e ele era empossado presidente da Portela - o mais jovem da sua História - tendo como vice-presidente Paulo Miranda.
O mandato de Marquinhos à frente da Portela não durou muito tempo. A oposição, que afirmava ter sido expulsa da escola, entrou na justiça no dia 04/05 e conseguiu a anulação da eleição. Em 21/05, foi feito um acordo na justiça, sendo marcada uma outra data para novas eleições, 26 de julho, e também sendo determinado o recadastramento de todos os sócios. Interinamente, o vice-presidente da escola, Paulo Miranda, assumiu a administração, e coube a ele o anúncio do novo enredo. Era uma parceria com a ONU para divulgar as ‘Oito Metas para o Desenvolvimento do Milênio’, que vinha sendo negociada por Marquinhos. Apesar da divulgação do enredo, a escola ficou praticamente parada aguardando a nova eleição que aconteceria no final de julho. Acertou-se apenas que a chapa que saísse vitoriosa manteria o tema do enredo.
Processo eleitoral à parte, nossa Velha Guarda mais uma vez entrava em cena contribuindo para o fortalecimento da cultura do samba. Um livro e um documentário intitulados de "Batuque na Cozinha" divulgavam as histórias e as receitas das tias da nossa Velha Guarda. O documentário fez bastante sucesso, ganhando alguns prêmios em festivais de cinema como o de Recife.
A Portela mostrava mais uma vez sua vocação para o pionerismo no mundo do samba. As negociações para a realização do enredo levaram o jovem Marquinhos até a sede da ONU, fazendo dele o primeiro representante de escola de samba a participar de um encontro na sede das Nações Unidas.
O clima de eleição tomava conta de Madureira e Oswaldo Cruz; carreatas eram organizadas, entrevistas eram concedidas. Houve também alguns incidentes: denúncia de assinaturas falsas no recadastramento e, um pouco antes da eleição, a notícia de que devido a um acordo entre as duas chapas a Velha Guarda não poderia votar. Tal notícia deixou revoltada a maioria dos portelenses. O fato é que a Velha Guarda só conseguiu o direito de votar na justiça, às vésperas da eleição.
No dia 29 de julho, depois de mais de 30 anos, os sócios com direito a voto foram às urnas. No final da noite era anunciado o resultado. Nilo Figueiredo, comandando a chapa "Nova Portela", era eleito com 131 votos, enquanto Marquinhos tivera 116. Com a vitória da chapa de oposição, encerrava-se a era de Carlinhos Maracanã na Portela.
A nova diretoria, apesar de anunciar que trabalharia pela unidade da escola, tratou logo de afastar as pessoas que colaboraram com a antiga administração. Os poucos avanços conseguidos nos últimos anos não foram reconhecidos. O título anterior do enredo foi modificado e o carnavalesco Jorge Freitas acabaria dispensado.
Carlos Monte, pai da cantora Marisa Monte, assumia a função de diretor cultural. E a primeira providência foi modificar o título do enredo proposto anteriormente para "Oito idéias para mudar o mundo". Sem carnavalesco, a Portela optou por entregar o desenvolvimento do enredo a uma comissão formada por três carnavalescos: Nelson Ricardo, Amarildo de Mello e Orlando Jr. - que meses depois abandonaria o grupo -, além de outros representantes da escola.
Distribuída a sinopse aos compositores, iniciava-se então a disputa de samba-enredo, que conseguiu reunir grandes compositores da escola, como Noca da Portela e David Correia. No entanto, durante as eliminatórias, o samba que ia crescendo no gosto dos portelenses era o da parceria comandada por Júnior Scafura. Mas na final, para surpresa da grande massa de portelenses presentes à quadra, o samba vencedor foi o de Noca da Portela, que não agradou a todos.
Por causa do enredo de cunho social, a quadra da escola foi visitada nos meses pré-carnavalescos por muitas autoridades políticas, merecendo destaque a visita do Presidente Luís Inácio Lula da Silva e posteriormente do Ministro da Cultura, o cantor Gilberto Gil. Também visitaram a escola o Presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha, e o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim.
Já próximo ao final do ano, a Portela perdia uma de seus grandes compositores. No dia 19/11/2004, falecia o compositor Colombo, ganhador de quatro sambas-enredo que a escola levou para a avenida.
Durante o processo de organização do desfile, a escola passou por muitas dificuldades, especialmente com relação aos recursos que viriam de empresas indicadas pela ONU. Como esses não chegavam, o trabalho no barracão permanecia praticamente parado. A maioria dos portelenses ficava aflita com as notícias que chegavam de atraso na confecção das alegorias da escola, enquanto a diretoria buscava tranqüilizá-los, dizendo que tudo estava caminhando bem. Dois dias antes do desfile, a parte traseira do carro abre-alas pegou fogo no barracão, e não havia mais tempo de recuperá-lo.
Chegando o carnaval, uma novidade agradável foi o surgimento da escola de samba mirim ‘Filhos da Águia’, organizada pelo filho de Natal, Osni Nascimento, e que teve como padrinhos os portelenses Paulinho da Viola e Marisa Monte. Era um antigo sonho dos portelenses, que já haviam tentado organizar a escola em 2001.
Na segunda-feira de carnaval, 70 anos após conquistar o primeiro título, a Portela se preparava para desfilar, sendo a quarta escola a entrar na Marquês de Sapucaí. Oficialmente a escola contava com 4.500 componentes e 43 alas, mas a impressão que se teve diante dos acontecimentos posteriores é que o número real de componentes foi muito maior.
Não sabiam os portelenses que o desfile desse ano seria marcado por vários contratempos com algumas de suas oito alegorias. O primeiro deles se deu com o carro abre-alas, que representava o ‘Caos da Humanidade’, e que já havia se incendiado dois dias antes do desfile. A montagem da parte final da águia estava sendo feita durante a concentração, mas a equipe não conseguia colocar as asas. Depois de várias tentativas frustradas e do atraso na entrada da escola, a diretoria tomou a decisão de deixar a águia sem as asas. Assim, seu símbolo maior adentrava a avenida mutilada.
Apesar de tantos infortúnios, abria o desfile da escola um quinteto de peso formado por Paulinho da Viola, Dona Dodô, Clóvis Bornay, Marisa Monte e Noca da Portela.
O segundo carro da escola - ‘Cio da Terra’ - trazia uma atração internacional, a modelo Naomi Campbell, enquanto no terceiro carro, ‘ Trabalho de Criança, Estudo e Brincadeira’, Renato Aragão era a atração principal. O quarto carro se intitulava ‘Paz, Segurança e Desarmamento’; o quinto trazia ‘O Palácio da Saúde contra os monstros das endemias’; o sexto, ‘A Mãe Natureza exige respeito’; o sétimo era uma homenagem à ONU; e o último representava o carnaval.
A escola trazia também algumas novidades. No comando da bateria, mestre Marçalzinho, filho do saudoso mestre Marçal, estreava como diretor. Valéria Valenssa, a Globeleza, era madrinha de bateria, função que dividia com o padrinho, o cantor Zeca Pagodinho. Um novo casal de mestre-sala e porta-bandeira, formado por Paulo Roberto e Andréia Neves, defendia o pavilhão portelense. Merecem destaque no desfile o retorno da ala das crianças, que se fizeram presentes em grande número, e uma bonita ala de baianinhas.
O gigantismo da escola provocou alguns contratempos. A grande quantidade de alas fez com que a Portela, da metade para o fim do desfile, iniciasse uma verdadeira correria para conseguir terminar o desfile dentro do tempo estabelecido. Foi então que ocorreu a quebra do último carro, justamente no momento em que este se preparava para entrar na avenida , segundo versão apresentada pelo presidente Nilo (o diretor de harmonia Chopp alegou que houve falta de combustível no carro). Como não havia mais tempo, a diretoria da escola decidiu pedir o fechamento do portão da concentração. Fosse apenas mais um carro, sua quebra passaria despercebida. Mas era nesse carro que estava a Velha Guarda Show. Com o fechamento do portão, toda a Velha Guarda da escola e sua ala de compositores ficaram proibidos de entrar na avenida e conseqüentemente de desfilar. Era a primeira vez que tal incidente ocorria. Depois de muito bate-boca e de troca de acusações, os portões acabaram sendo abertos. O desfile da escola já era dado como encerrado pela LIESA, mas mesmo assim os integrantes da Velha Guarda passaram pela avenida sendo ovacionados pelas arquibancadas. Ficava registrado um dos momentos mais tristes da História da Portela, quando pela primeira vez sua Velha Guarda não participava de um desfile.
Os jornais de todo o Brasil noticiaram o fato, mostrando os momentos de tristeza e dor dos portelenses. ‘A Tristeza é Azul’, dizia O Globo. A direção da escola e a LIESA trocavam acusações, sem assumir a responsabilidade pela ordem de fechar o portão para a Velha Guarda. O que mais preocupava os portelenses é que todos os problemas ocorridos no desfile faziam da escola a mais cotada pela imprensa para o rebaixamento. Assim, os torcedores, que durante tantos anos comemoravam os títulos, agora rezavam para não ver sua escola rebaixada para o grupo de acesso. Abertos os envelopes dos jurados, na Quarta-feira de Cinzas, o resultado, como já se imaginava, não foi dos melhores e a escola acabou em 13º lugar, a uma posição apenas do rebaixamento, registrando a pior colocação de sua História.
Ficha técnica:
Resultado: 13ª Colocada do Grupo Especial com 383,9 pontos
Data, Local e Ordem de Desfile: 4ª Escola de 07/02/05, Segunda-Feira, Av. Marquês de Sapucaí
Autor(es) do Enredo: Orlando Jr, Amarildo de Melo e Nelson Ricardo
Carnavalesco(s): Orlando Jr, Amarildo de Melo e Nelson Ricardo
Presidente: Nilo Figueiredo
Diretor de Harmonia: Chopp
1º Casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira: Andréia e Paulo Roberto
2º Casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira:
Bateria: Mestre Marçalzinho
Contigente:
Samba enredo:
Autores: Noca da Portela, Darcy Maravilha, J. Rocha e Noquinha
Intérprete Bruno Ribas
Portela, hoje abraça o mundo
Num amor profundo, pela fraternidade
O samba é o porta voz
E “nós podemos” desatar os nós
Da desigualdade
E vem... num sorriso de criança
A esperança em cada coração
E nesse dia de folia, faz a sua profecia
Liberando a emoção
Um mundo sem fome sem dor e sem guerra
Quem viver verá
O manto da paz cobrindo a terra
O que há de ser será
Ensinando ver a vida, como ela é
Respeitando os direitos da mulher
Dando a juventude um novo amanhã
Saúde, corpo forte mente sã
Combater o hiv
E toda epidemia que aparecer
Preservar a natureza
Ver o bem vencer o mal
A “onu” e o samba parceria ideal
Pro desenvolvimento mundial
A mensagem da portela
É pra toda humanidade
Vamos semear amor
Pra colher felicidade
Portela...